sábado, 5 de junho de 2010

O Encontro do Eu e o Tu


Disse-lhe, pois, a mulher samaritana: Como, sendo tu judeu, me pedes de beber a mim, que sou mulher samaritana? (porque os judeus não se comunicam com os samaritanos). Jesus respondeu, e disse-lhe: Se tu conheceras o dom de Deus, e quem é o que te diz: Dá-me de beber, tu lhe pedirias, e ele te daria água viva. Disse-lhe a mulher: Senhor, tu não tens com que a tirar, e o poço é fundo; onde, pois, tens a água viva? És tu maior do que o nosso pai Jacó, que nos deu o poço, bebendo ele próprio dele, e os seus filhos, e o seu gado? Jesus respondeu, e disse-lhe: Qualquer que beber desta água tornará a ter sede; Mas aquele que beber da água que eu lhe der nunca terá sede, porque a água que eu lhe der se fará nele uma fonte de água que salte para a vida eterna. Disse-lhe a mulher: Senhor dá-me dessa água, para que não mais tenha sede, e não venha aqui tirá-la” Jo 4:9-15.

Qualquer caminho trilhado no sentido de lidar com as diferenças não é neutro, nem ideal. Todos nós estamos marcados por nossas visões de mundo, por valores incorporados ao longo da nossa existência, por idéias e ideais construídos ou aprendidos, por concepções a respeito da vida e do mundo. A Vida, no singular e no plural, é muito mais abrangente do que nossa condição humana pode captar compreender, capturar.

Quando nos predispomos, quando somos fisgados pela percepção da existência da diferença como valor, como expansão da riqueza humana e não como um demérito, perdemos o chão das verdades, da razão, das certezas fechadas e absolutizadas e nos colocamos no campo da dúvida, do devir, da pergunta, da inquietação, da errante busca, da incerteza.

Se tudo é devir, se tudo é movimento, é dinâmica, o problema que nos coloca a Vida, o problema que nos desafia é como sermos capazes de ver, perceber, conhecer, interagir com o diferente em nós.

Somos diferentes, nossos corpos são diferentes, inclusive, de nós mesmos. Somos diferentes de nós mesmos a cada momento. Um livro que lemos, um filme que vemos, um acontecimento que vivenciamos, um carinho que recebemos ou damos, uma injustiça que presenciamos, praticamos ou sofremos, o tempo passado, o sol, o frio, o calor, o amor ou desamor, a violência, o dia-a-dia. Tudo altera, nos afeta a cada instante. “Tudo o que se vê não é igual ao que a gente viu a um segundo. Tudo muda o tempo todo no mundo. Não adianta fugir, nem mentir pra sim mesmo. Há tanta vida lá fora. Aqui dentro sempre como uma onda no mar” (Lulu santos – Nelson Mota).

Nós somos convidados diariamente a refletir sobre as posturas internas, que podem ser expressas em habilidades que facilitam o relacionamento em qualquer condição.

Ao observar Jesus percebemos que Ele tem como objetivo prestar uma compreensão melhor do relacionamento humano, desvendar parte do mistério que cerca este relacionamento e aumentar a chance de que seja construtivo para as pessoas que dele participam. A qualidade de nossas vidas está ligada aos relacionamentos interpessoais que estabelecemos.

Ele nos faz um convite à reflexão sobre as condutas adotadas no cotidiano, nas relações com pessoas com as quais se convive, e ainda discute através dos Evangelhos as habilidades que se pode desenvolver para que essas relações sejam bem sucedidas.

Cada ser humano que O encontrou se defrontou com o exercício da busca de si mesmo, perfazendo um caminho próprio, uma viagem ao seu mundo interior. Nesse exercício Ele proporciona busca e verificação interna da pessoa que faz a leitura (Dele), das ferramentas de que dispõe para entrar em sintonia com o outro.

Ele é como água no deserto, pois mata a sede de caminhos a seguir, Ele enfoca de maneira vívida e sistemática muitos dos elementos básicos da relação interpessoal, não apenas no âmbito terapêutico, mas na vida como um todo. É o encontro do eu e o tu, como diria o filósofo Martin Buber.

Quando nos debruçamos sobre o Evangelho percebemos que o sentido da vida é o estar com, o encontro entre as pessoas. E para que esse encontro se torne possível, é preciso desenvolver certas habilidades.

Martin Buber irá dizer que do encontre entre o eu e o tu, nascerá uma terceira pessoa: “Nós” e para que esta terceira pessoa seja formada há um derramar do eu e do tu e cada um extrai do outro o melhor ou o pior. Buber diz que o ser humano se torna eu pela relação com o você, à medida que me torno eu, digo você. Todo viver real é encontro.

Mas o que temos extraído desses encontros? Existem pessoas que conseguem extrair aquilo que há de melhor em nós e existem pessoas que conseguem extrair o que há de pior em nós. Há pessoas que derramam em nossas vidas o que há de melhor nelas e outros derramam o pior. E quando aquilo que é derramado não gostamos, nos faz mal, simplesmente nos afastamos, pois não queremos estar impregnados do pior do outro. Mas será que temos nos esforçado para que os nossos maiores defeitos não prevaleçam sobre as nossas pobres qualidades? O que temos feito para que os defeitos não sejam prevalências na relação com o outro?

Em cada Evangelho Ele faz um convite: Constituam momentos de tanta profundidade com o outro que sua lembrança lhe permaneça fresca na mão com a vívida sensação do toque. Vivencie no encontro o outro, a imensa alteridade do outro, que, na proximidade com você, permita que o toque os torne intimos. Que sinta a vida palpitante sob a sua mão, como se aproximasse de sua pele o próprio elemento vital. Algo que não é você, que de modo algum lhe seja familiar, evidentemente o outro não é meramente o outro, mas verdadeiramente o próprio outro, que lhe permita que você se aproxime.

Jesus fez aquela mulher voltar-se para si mesmo e avaliar propósitos internos e a disponibilidade para utilizá-los, elucidar o encontrar-se, ou seja, o encontro do humano pertencia a ela.

Jesus respondeu, e disse-lhe: Se tu conheceras o dom de Deus, e quem é o que te diz: Dá-me de beber, tu lhe pedirias, e ele te daria água viva. Disse-lhe a mulher: Senhor, tu não tens com que a tirar, e o poço é fundo; onde, pois, tens a água viva? És tu maior do que o nosso pai Jacó, que nos deu o poço, bebendo ele próprio dele, e os seus filhos, e o seu gado?

O que você escuta quando escuta? O que lê quando lê? O que vê quando vê? Temos utilizado nossas habilidades interpessoais para estabelecer relações saudáveis? Temos ido além das experiências? Temos nos revelado de forma transcendente, coesa parte de nossa essência, nossa pessoa, pois falamos, escrevemos, olhamos, ouvimos com alma, coração e inteligência?

Ele tem me levado a uma grande inquietação como um constante processo de criação, atividade, movimento e fluxos da vida, permitindo perceber que lidar interagir, relacionar, dialogar, na minha alteridade, em qualquer dimensão social, me coloca diante do desafio, talvez similar ao movimento que antecedeu a invenção da roda, talvez um desafio menos conceitual e mais prático, mais vivencial, mais visceral, que me coloca diante dos meus próprios temores, grandes defeitos, pequenas qualidades. Enfrentar dentro de mim, no meu sangue, no meu coração, na minha mente, em mim mesma, minha ambivalência, multiplicidade, multifacetas, em fim, minha complexidade.

“O ser humano é ao mesmo tempo singular e múltiplo. Dissemos que todo ser humano, tal como o ponto de um holograma, traz em si o cosmo. Devemos ver também que todo ser mesmo aquele fechado na mais banal das vidas, constitui ele próprio um cosmo. Traz em si multiplicidades interiores, personalidades virtuais, uma infinidade de personagens quiméricos, uma poliexistência no real e no imaginário, no sono e na vigília, na obediência e na transgressão, o ostensivo e no secreto, balbucios embrionários em suas cavidades e profundezas insondáveis. Cada qual contém em si galáxias de sonhos e de fantasias, impulsos de desejos e amores insatisfeitos, abismos de desgraças, imensidões de indiferença gélida, queimações de astro em fogo, acessos de ódio, desregramentos, lampejos de lucidez, tormentas dementes...” (Edgar Morin).

Ao tomar posse de si mesma, a pessoa torna-se livre para ser para o outro. Um movimento que gera o outro, de maneira que serei mais pessoa à medida que for mais livre, e mais livre à medida que for mais pessoa (Fábio de Melo).

Pense nisso!

Regina Lopes

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